Wednesday, October 25, 2006

Aguardo: com defeito e efeito.

H²O, nicotina e cafeína, fiéis companheiras nos últimos dias. Dias que vão e vêm, e sobrevivo, sim. Mas cheia de arranhões, feridas, hematomas irreparáveis. Faltam pedaços de carne em mim. O sangue se esvai pelos poros, narinas. Por todos os orifícios do corpo flácido, que necessita de vitaminas, proteínas, exercícios físicos, sol, seu esperma.

O vento frio raspa o rosto, navalha que arde, queima de tão gelado. Machuca, racha os lábios. Os cabelos embaraçam, nós cegos e cristalizados. Cadê meu pente e a jaqueta? Fuck off.

A morte é tentadora.
Pois é, mas ainda não tomei uma superdosagem de ansiolíticos, meu bem. Ainda. Ou seria ainda bem?

Aguardo.

Vesti uma calça qualquer, uma blusinha branca, bem meiga. Melissas fininhas, trancinhas - cara de menina pura. Vem cá! Mas parecia uma vadia louca, não é? Não pensei em nada, nem ninguém. Pergunto-me se depois daquele episódio, ainda consigo voltar a ser como antes. Linda puritana, não. Mas, pelo menos, uma linda putana, puta gente fina, saca? Que faça um bom boquete, tenha bom papo, cuide bem dos filhos e tal.

Lembro que comecei era dia, aquela noite. Asfalto vazio, lanternas amareladas, poucas. Sinais de trânsito inúteis aos carros bêbados, Pierre’s etílicos, prédios altos com janelas abertas, que traziam aos meus ouvidos o som dos ventiladores de teto rodopiando vagarosamente, tortura. Eco do meu desespero, seu silêncio ensurdecedor, nada de ônibus, só um. Passou. Devia ter parado por ali, mas as sensações, de alguma forma, eram incontrolavelmente desejadas por mim. “Limite” foi a palavra-atitude que se perdeu do meu dicionário-vida durante algumas horas.

E as atitudes foram incomodativas, todas elas, desde o início. O primeiro gole, e o beijo na rua, que chamou atenção dos meninos no ônibus de margaridas, que gritaram: “AÊ!”
Ali, meus olhos se perderam no vazio, reflexos azuis acinzentados da poluição do Centro da cidade e Baía de Guanabara, a fumaça dos coletivos. E eu, ainda escutava ao longe um neném chorando a espera da mãe. Agonia.

Uma vez escrevi num poema idiota; que queria amar, e seria puta enquanto não encontrasse esse amor. Meses depois, li no poema de um amigo, o Nolli: “só as putas acreditam em príncipes encantados.” Pois é, cá estou, esperando você, meu príncipe encantado dos prazos. Você quer silêncio? Ok. A boca continua fechada - e será aberta quando e para o que você quiser - enquanto os dedos se mexem. Pudera. Cansa, não agüento. Acho que já quebrei o silêncio algumas vezes, sem êxito. Alguém me ajuda?

Será que a decadência se vai, Dr.? Ontem você me disse, olhando pelo pedaço aberto, sem botão, da minha blusa, mirando minhas tetas frias: aqui é porto, eu, você e seu jeans, e então a gente abre essa ferida, ainda mais, limpa e depois costura, espera cicatrizar. E eu te pergunto: é fácil assim? Qual seria o nome da substância cicatrizante? Líquido seminal?
É, não quero a pureza fingida da maioria, nada melhor que uma boa trepada, sem puderes idiotas, com qualidade, defeito. Efeito.
E qual seria o efeito? Eu e você sabemos, Pica de Mel.

Ainda espero voltar pra porta do banheiro da casa de uma amiga, corredor vazio, burburinhos espalhados pela casa grande, Dr. Mãos invadindo corpos, arregaçando roupas. Mãos sentindo as tetas quentes, mistura de línguas homogeneizando salivas. Enquanto ouço o batuque do pandeiro no meu latejar.

Quero líquido seminal pra tetas quentes.

Já imaginou o efeito disso?

Feito.
Dos grandes.


Aguardo.

Wednesday, October 11, 2006

Entre a Vitrine e o Sonho.

Ele deu uma longa golada na cerveja, olhando pra mim, como se mergulhasse no meu corpo, de olhos bem abertos, conseguindo enxergar meu útero, minhas veias, artérias, os miolos efervescentes do meu cérebro; e degustasse o tempero misturado de tudo isso, junto à cevada.
Apoiou a latinha na arquibancada da arena, na praça dos arcos, sob a lua reluzente. E não olhava pra ela. Continuava mirando em mim, sem piscar.

E eu olhava pra ela, olhava pra ela.

Sentia que cada vez mais a pupila dele dilatava, e delatava o desejo, enquanto sorria e passava a língua nos lábios - quase incontrolável ver aqueles lábios sem beijar, e querer sentir gosto de preliminar perfeita. - Entoou a voz de menino, tentou fazer grossa pra dar mais moral à barba de homem, querendo descobrir, carinho, pegada. Pegou forte meu braço, e perguntou quando nos conheceríamos de verdade.

A verdade dos navios que se cruzavam em guerra. Canhões, cólicas, crises convulsivas, vômitos, larvas e miasmas. Crianças gritando, panela chiando, televisão cantando Disney.

À essa altura eu já não olhava nem pra ela, nem olhava pra ela.

Minhas pálpebras pesavam, mas se levantaram, devagar. Pare. A placa de trânsito bem na minha frente dizia: pare.

Os carros frearam; trânsito congelado. Só se via luzes, de todas as cores; faróis, lanternas, outdoors, os BR’s verde-amarelo dos postos de gasolina. Tonteavam, ofuscavam. Os meninos esqueléticos da Lapa não corriam mais, os pipocos de tiro do morro de Santa, e o batuque da fina flor do samba do outro quarteirão silenciaram, o trance estacionou, pick-ups desligadas, o burburinho amarelado da multidão-voz abafou, o orgasmo do casal atrás do carro; ad infinitum.
Pessoas-estátuas, ali, com lágrimas-gargalhadas cristalizadas no rosto. Cervejas empedradas em copos vagabundos de plástico, cabelos plastificados refletiam o dourado das bolsas Louis Vuitton, que se misturavam aos meninos-dourados da rua. Sem medo.

Ele ainda olhava pra mim. Engoli o ar, e não me atrevi a pegar a latinha de cerveja pra desentalar o bolo vazio, que se instalou entre a garganta e meu peito. Não conseguia me mexer.
Evoquei todos os demônios. Queria ser inoculada por maldade.
Implorava uma tragédia que chamasse sua atenção.
Estalei os dedos, um a um. Comi os lábios, as carnes mortas do interior da boca. Olhei dentro dos olhos dele, tentando dizer.
Eu era resto de construção desmoronada, decadente. De impossível restauração. A maioria dos meus dias terminava no boteco da saída do túnel, implorando uma dose extra de vodka barata, fumando filtro de cigarro, com filhos mortos de fome chorando na barra da saia.
Ainda assim, sempre paro olhando pra ele, e observo minuciosamente seus detalhes, vendo a configuração mais concreta do meu desejo.
Mas quando encosto as mãos na vitrine, quase entrando, lembro que meu coração é pobre, e que os demônios que sempre evoquei são ainda mais presentes hoje. Só me deixam sonhar.

O que me resta é olhar pra ela. Olhar pra ela (?)